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Sobre tia Lilian

Hoje recebi a notícia que tia Lilian se foi. Não tenho nenhuma foto com ela.



Tia Lilian era uma pessoa distinta: baixotinha, desenrolada, fala ligeira, engraçada, sempre bem arrumada, cabelo loiro curto arrumado no spray, independente em quase tudo. Estava sempre lá para tornar nossa vivência melhor, não tinha tempo ruim quando a casa estava cheia de gente - fosse toda a família reunida ou todos os amigos de Marina e Dudu. Às vezes se estressava, às vezes saía brava, às vezes trazia pizza, mas sempre chegava enérgica e falante.


Tia Lilian teve mãe, irmãos e filhos. Eu conheci boa parte deles. É uma família muito diferente da minha: casa sempre cheia, correria, gritaria, alegria, briga, festa, expressão de sentimentos por todos os lados. Aquele fusuê todos às vezes me assustava, mas nunca desgostei. Pelo contrário. Depois que aceitei aquela vivência tão diferente da que eu vivia, um tanto opressiva e masculina, eu tinha vontade de fazer parte daquilo tudo. E fiz. Fui abraçada como tantos outros amigos de Marina por aquelas pessoas. Acho que ninguém ali sabe o quanto esses momentos foram importante para mim e me ajudaram a enfrentar minhas mazelas e minha solidão.


Tia Lilian, assim como minha mãe, não escapou das estatísticas e foi vítima de uma sociedade que cria mulheres para servir e aceitar qualquer esmola de amor masculino. Nunca pude conversar com ela sobre isso. Quando soube, já era tarde demais. Tia colapsou e nunca mais foi a mesma. Ainda era sorridonha, festeira, enérgica, loira de cabelo curto arrumada no spray, mas faltava algo ali que nunca mais foi encontrado.


Mas uma coisa definitivamente não foi embora: seu amor por passear e fazer compras no shopping. Era falar a palavra mágica e o dia ficava maravilhosamente bom. Tia nunca teve medo de mostrar quem era e o que gostava, coisa que Marina aprendeu com ela, acredito, e uma inspiração para mim, que vivo a tentar me fazer gostada pelos outros.


Obrigada por tudo, tia Lilian. Infelizmente não pude lhe dizer tudo isso em vida. Entretanto, minha gratidão por tudo que aprendi a partir do seu acolhimento estará para sempre marcada nas minhas ações e no meu coração. Que minha casa possa ser porto seguro para tantos outros quanto a sua casa foi pra mim. Obrigada por gerar e criar uma filha que é inspiração e espalha alegria por onde passa. Obrigada pelas caronas, pela urna eletrônica, pelas festinhas, pelas noites do pijama e por ser a única pessoa que eu conheci que assistia TV Câmara, fato esse que me atentar para a importância disso.


Esse pequeno texto registra o que não quero esquecer sobre a mãe de Marina e Dudu, a vó da Laurinha, a irmã de Valéria, a tia de Pietra e Lolo, mãe de pet do Din Don e, não menos importante, uma das mães que a vida me deu.


Não acredito que a gente vai para outro plano, que daqui a vida continua nem nada disso - o que é uma pena, pois estou fadada a encarar a brevidade da existência. No entanto, acredito que a gente continua vivo enquanto nosso legado permanece, seja na geração de pessoas, em nossas ações ou contribuições para o desenvolvimento da sociedade. Tia Lilian deixou todas essas coisas por aqui: basta ver Marina sorrir e lembrar do sorriso dela; basta lembrar de ser a gente mesmo e lembrar que tia ousou ser a si mesma, e, basta lembrar que se for pra crescer, que todos cresçam juntos, sem deixar ninguém para trás e lembrar do quanto tia Lilian era solícita. Obrigada por tanto, tia.

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