Sobre tia Lilian
- roberthamirando
- 18 de out. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de abr. de 2024
Hoje recebi a notÃcia que tia Lilian se foi. Não tenho nenhuma foto com ela.
Tia Lilian era uma pessoa distinta: baixotinha, desenrolada, fala ligeira, engraçada, sempre bem arrumada, cabelo loiro curto arrumado no spray, independente em quase tudo. Estava sempre lá para tornar nossa vivência melhor, não tinha tempo ruim quando a casa estava cheia de gente - fosse toda a famÃlia reunida ou todos os amigos de Marina e Dudu. Às vezes se estressava, à s vezes saÃa brava, à s vezes trazia pizza, mas sempre chegava enérgica e falante.
Tia Lilian teve mãe, irmãos e filhos. Eu conheci boa parte deles. É uma famÃlia muito diferente da minha: casa sempre cheia, correria, gritaria, alegria, briga, festa, expressão de sentimentos por todos os lados. Aquele fusuê todos à s vezes me assustava, mas nunca desgostei. Pelo contrário. Depois que aceitei aquela vivência tão diferente da que eu vivia, um tanto opressiva e masculina, eu tinha vontade de fazer parte daquilo tudo. E fiz. Fui abraçada como tantos outros amigos de Marina por aquelas pessoas. Acho que ninguém ali sabe o quanto esses momentos foram importante para mim e me ajudaram a enfrentar minhas mazelas e minha solidão.
Tia Lilian, assim como minha mãe, não escapou das estatÃsticas e foi vÃtima de uma sociedade que cria mulheres para servir e aceitar qualquer esmola de amor masculino. Nunca pude conversar com ela sobre isso. Quando soube, já era tarde demais. Tia colapsou e nunca mais foi a mesma. Ainda era sorridonha, festeira, enérgica, loira de cabelo curto arrumada no spray, mas faltava algo ali que nunca mais foi encontrado.
Mas uma coisa definitivamente não foi embora: seu amor por passear e fazer compras no shopping. Era falar a palavra mágica e o dia ficava maravilhosamente bom. Tia nunca teve medo de mostrar quem era e o que gostava, coisa que Marina aprendeu com ela, acredito, e uma inspiração para mim, que vivo a tentar me fazer gostada pelos outros.
Obrigada por tudo, tia Lilian. Infelizmente não pude lhe dizer tudo isso em vida. Entretanto, minha gratidão por tudo que aprendi a partir do seu acolhimento estará para sempre marcada nas minhas ações e no meu coração. Que minha casa possa ser porto seguro para tantos outros quanto a sua casa foi pra mim. Obrigada por gerar e criar uma filha que é inspiração e espalha alegria por onde passa. Obrigada pelas caronas, pela urna eletrônica, pelas festinhas, pelas noites do pijama e por ser a única pessoa que eu conheci que assistia TV Câmara, fato esse que me atentar para a importância disso.
Esse pequeno texto registra o que não quero esquecer sobre a mãe de Marina e Dudu, a vó da Laurinha, a irmã de Valéria, a tia de Pietra e Lolo, mãe de pet do Din Don e, não menos importante, uma das mães que a vida me deu.
Não acredito que a gente vai para outro plano, que daqui a vida continua nem nada disso - o que é uma pena, pois estou fadada a encarar a brevidade da existência. No entanto, acredito que a gente continua vivo enquanto nosso legado permanece, seja na geração de pessoas, em nossas ações ou contribuições para o desenvolvimento da sociedade. Tia Lilian deixou todas essas coisas por aqui: basta ver Marina sorrir e lembrar do sorriso dela; basta lembrar de ser a gente mesmo e lembrar que tia ousou ser a si mesma, e, basta lembrar que se for pra crescer, que todos cresçam juntos, sem deixar ninguém para trás e lembrar do quanto tia Lilian era solÃcita. Obrigada por tanto, tia.